17 agosto 2008

Paz, segurança e cooperação, fins inatingíveis?

Longe vai a tentativa, digamos utópica, da criação de uma justa, eficaz, idónea, independente e realmente "legitimada" organização internacional de agregação dos povos e nações. É uma tarefa árdua e de herculiana complexidade. No cair da primeira grande guerra, com toda a desumanização, crise de valores e de consciência a que beligerância implica, necessitou-se de refundar o conceito de organização e relação internacional. Criou-se, então, a Sociedade das Nações. Idilicamente baseada nos "quatorze pontos" de Woodrow Wilson mas tacticamente controlada pelas potências europeias vencedoras da primeira grande guerra. A Sociedade das Nações, foi uma serva das pretensões imperialistas de então. A Sociedade das Nações era um clube restrito de potências mundiais, que a utilizavam para as suas político e geoestratégias jogadas de hegemonização. Nunca foi verdadeiramente legitimada, a Sociedade das Nações e o seu conceito, devido à não ratificação, pelo congresso estado-unidense, do Tratado de Versalhes. Acontecimento, este, que "impediu" os Estados Unidos da América de se tornar membro desta organização. Aliando-se um nascimento problemático com a desastrosa política pós-guerra imposta pelos tratados de paz (verdadeiros diktats) aos países vencidos, o seu futuro era deveras comprometedor. Com o passar dos anos, com as particularidades de uma Europa que exaltava (a régua e esquadro e com a sua nova ordem internacional) o conceito de estado-nação e a máxima um povo, uma nação, um país, a Sociedade das Nações acorrentava-se a interesses superiores ao dos seus ideais pacifistas e diplomáticos. A Sociedade das nações padeceu perante a sua ineficácia em resolver os conflitos e a parcialidade perante sensíveis querelas diplomáticas. No eclodir da segunda guerra mundial sucumbiu este projecto ambicioso mas congenitamente corrompido.

Paralelamente à sua antecessora, a Organização das Nações Unidas, surgiu como entidade de agregação internacional. Os estatutos eram mais abrangentes mas as finalidades eram idênticas: a senda pela pacificação, cooperação e segurança mundiais. Esta fora "legitimada" ao contrário da sua conspurcada antecessora. O seu modelo organizacional é similar à extinta Sociedade das Nações, baseia-se num conjunto de órgãos principais que regulam e deliberam. De destacar, o órgão mais proeminente e mais mediático do sistema de organização da ONU, o conselho de segurança, que é composto por quinze membros. Destes, ilustres cinco são residentes (EUA, China, França, Grã-Bretanha, Rússia) e os restantes com mandatos rotativos e bianuais. O Conselho de Segurança da ONU tem sobre o seu domínio a finalidade da segurança mundial. Algo complexo e sensível. A responsabilidade de poder intervir, mediante certas ponderações, em qualquer país e a sua envolvência na tentativa de resolução de conflitos e crises mundiais, torna, o Conselho de Segurança, o órgão mais visível e importante da ONU. Mas, tal como História nos dita em organizações similares, padece, como tudo, do interesse umbilical das potências suas constituintes. Olhemos para a constituição do Conselho de Segurança e veremos, quase imediatamente, quais as resoluções e os vetos que daí sairão. Aliamos os maiores "patrocinadores" da organização e os membros residentes do Conselho e veremos quem, de facto, controla as decisões daquele órgão. Os regulamentos de aprovação ou desaprovação de resoluções do Conselho de Segurança é uma amostra sintomática dos interesses, amizades, preconceitos e anacronismo das relações internacionais. Vejamos, o poder de veto foi amplamente utilizado (segundo o regulamento basta um dos membros residentes vetar para que a resolução seja impedida) durante os decénios de vida da ONU. Os EUA protegem os seus interesses e dos seus amigos, EUA vetam para proteger os seus devaneios militares e a política "colonialista" do Estado de Israel. A Rússia -actualmente porque enquanto república pertencente à URSS, esta, era a mais pródiga utilizadora- pouco utilizou o poder de veto, mas quando o utilizou, utilizou-o, invariavelmente, a favor dos seus interesses e dos seus amigos. A Grã-Bretanha e a França, salvas raras excepções, vetaram e vetam em conjunto com os EUA, numa simultaneidade de interesses e amizades. A República Popular da China, isolada no círculo de interesses que hoje se perfilha, e depois de uma tardia entrada para o Conselho, é o país que menor utilização fez do poder de veto.

O Conselho de Segurança está desacreditado, anacrónico e remetido para um clube elitista de países e suas pretensões. As críticas surgem um pouco por todo o lado, onde as pretensões se sentem e a injustiça as obrigue a declamar. Vejamos um dos casos mais gritantes e que mais desacreditou este órgão: em 2002, numa investida louca e impulsiva do Estado israelita no Líbano, através do seu armamento (patrocinado e vendido pelo eterno amigo americano), destruiu um local que estava sobre a égide das "Nações Unidas" assassinando vários funcionários das "Nações Unidas" e destruindo um depósito do Programa Mundial de Alimentação da ONU na Cisjordânia. Uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, onde era condenada e criticada a ignóbil actuação israelita, foi vetada pelo "amigo" EUA ! Arre ! Eram funcionários da ONU e os locais sobre a égide da ONU, organização que não condenou, mediante o veto dos EUA, a actuação israelita contra ela. Isto só mostra como obsoleta está o funcionamento deste concelho e, arrisco a dizer, da própria ONU (refém de interesses).

Os exemplos de desacreditação são imensos e bastante elucidativos. Vários criticam, pela não implementação de resoluções aprovadas, e a falta de aprovação de outras. Até a constituição do estados-membros residentes do Conselho de Segurança é um alvo das críticas. Dizem, os detractores, que a França e a Grã-Bretanha já não têm o poder económico e militar de outrora, logo, não deveriam ter um "lugar" tão importante nas deliberações do Conselho. Onde se enquadra a nova e poderosa (embora diplomaticamente retalhada) organização trans-nacional União Europeia ? Ora, pensemos, neste mundo onde o estado-nação está ultrapassado na "roda" internacional, as problemáticas trans-nacionais (como o terrorismo, o aquecimento global, o tráfico etc.) se se impõem, a necessidade de uma organização internacional, de índole pacifista e universalista, torna-se claramente premente. A ONU e o seu Conselho de Segurança estão num estado de obsolescência e até provocam o efeito contrário para que foram criados: estão a desestabilizar a paz e a segurança mundial.

Medidas a curto prazo e eficazes poderiam ter um efeito positivo, por exemplo, a retirada da prerrogativa do veto aos estados-membros residentes no Conselho, e as resoluções passariam a ser decididas por voto de maioria. Um passo curto mas difícil , para isso, muito se tinha de debater e de combater. Contudo, teriam de ter o cuidado de a continuar a "legitimar", isto é, continuar a possuir o interesse e a aprovação das maiores potências mundiais.

As recentes crises diplomáticas mostram como "emperrado" está a engrenagem da ONU. A invasão do Iraque pelos EUA-Reino Unido, baseado em pretextos evidentemente falsos, sem aprovação do Conselho de Segurança da ONU, mas com a legitimação em troca de benesses por vários países europeus, numa mostra inequívoca de fragmentação diplomática que existe na União Europeia; a não condenação pelo conselho da ONU da independência unilateral e ilegal (à luz do direito internacional) do Kosovo, abrindo um "precedente" perante outros conflitos internacionais; a actual crise na Abecásia e Ossétia do Sul, onde nem há uma condenação, pela ONU, da Geórgia, pela invasão da região sul-ossetiana, nem, muito menos, a condenação da Rússia pela igual invasão e imposição de força. Em suma, todos usam e abusam do conceito ONU. Menosprezam e exaltam conforme os seus interesses as resoluções ou a falta delas.

Os EUA, na sua dualidade de critérios, e o seu "braço armado" OTAN (Nato), continuam na sua senda de hegemonização do Mundo. Veja-se os critérios pacifistas em que condenam, prontamente e parcialmente, a problemática do nuclear no Médio Oriente. Invés de defender e preconizar o desarmamento total do armamento nuclear existente, descuram (porque quem possui e à revelia dos tratados internacionais armamento nuclear naquela região, é o "amigo" israelita) a tentativa de desarmar Israel. Vejamos, também, a questão do escudo "anti-míssil" a implementar na Europa. O "pacifista" EUA, não larga o objectivo de criar silos na Europa com a questão da sua auto-protecção perante eventuais ataques de países inimigos. Pela abrangência do argumento, tudo pode incluir neste pacote de "perigosos países". Contudo, o seu primordial objectivo é a implementação do seu poderio militar na Europa, para assim assegurar a dependência e vigilância da velha Europa, e evitando, assim, pretensões ousadas da Rússia ou da União Europeia. Veja-se quem é o maior prejudicado (militar e político) com a criação de uma estrutura militar organizada e forte, com uma diplomacia concertada e objectiva e com uma suposta franca e forte aliança política com a Rússia, por parte da União Europeia: evidentemente a super potência EUA.

Estes apontamentos, avulsos e assincronamente despejados aqui, servem para concluir que as relações internacionais em que vivemos, continuam, como sempre, na tentativa de implementar a política do mais forte e astuto. Organizações internacionais de essência pacifista e universalista continuam a estar reféns dos interesses das potências mundiais, estando a ONU, pela similaridade de situação e de estrutura, ameaçada pelos mesmos factores que capitularam, a sua antecessora, Sociedade das Nações, refém dos interesses das potências mundiais. A ONU, conspurcada pela sua incapacidade de resolver sensíveis querelas internacionais (posso ser simplista mas, como a História relata, grande parte é devida a pretensões das grandes potências), o anacronismo dos seus órgãos, e a falta (evidente) de reformulação daquela estrutura, está em via de se findar, com a particularidade dos tempos que correm, a um mesmo fim que a antiga organização universalista (SDN). Falta, o golpe final, um conflito bélico à escala mundial. Mas com a "preocupação" da segurança mundial consubstanciada no "terrorismo" em que vivemos, com o problema "nuclear" no Médio Oriente e um novo renascer de uma "guerra fria" estará, eventualmente, a surgir este tão apocalíptico conflito. A acontecer, como os demais antecessores, instalará, possivelmente, uma nova ordem internacional.

3 comentários:

  1. Pá, confesso que não sou ler estas postas grossas, mas ainda bem que ousei contrariar-me. Muito bom!

    Dr. Etc. (sem log in não sei mt bem porquê)

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  2. Confesso, que, também, me custa ler estas postas grossas...

    Sempre um prazer, caro Etc...

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  3. MUITO GRANDE ,SÓ LI A PRIMEIRA LINHA

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