“Levar um livro no bolso ou na mochila, particularmente em alturas de tristeza, é estar em posse de um outro mundo, um mundo que pode trazer-nos felicidade.”
“Deixem-me enumerar as coisas que tornam a leitura algo que faço não por motivos profissionais ou para auto-edificação, mas por prazer:”
1. “O apelo desse outro mundo que antes mencionai. Isto pode ser visto como escapismo. Mesmo sendo apenas na nossa imaginação, continua a ser bom escapar à tristeza da vida quotidiana e passar algum tempo num outro mundo.”
2. “Entre os dezasseis e os vinte e seis anos de idade, a leitura era central nos meus esforços para fazer alguma coisa da minha vida, elevar a consciência e, desse modo, formar o meu espírito” (…).
(…) “Quão longe podiam chegar os pensamentos, interesses, sonhos e territórios que se ofereciam à minha imaginação? Enquanto seguia as vidas, sonhos e ruminações de outros nas suas histórias e ensaios, sabia que iria conservá-los nos mais esconsos recessos da minha memória e jamais os esqueceria, da mesma forma que uma criança pequena nunca esquece a primeira vez que vê uma árvore, uma folha ou um gato” (…)
(…) “as minhas leituras durante esses anos foram um empreendimento intenso e divertido que muito deveu à minha imaginação. Mas hoje em dia praticamente nunca leio dessa forma, e talvez seja por isso que leio muito menos.”
3. “Outra coisa que torna a leitura tão agradável para mim é a consciência de si próprio. Quando lemos, há uma parte da nossa mente que resiste à completa imersão no texto e nos felicita por levarmos a cabo uma tarefa tão profunda e intelectual: por outras palavras, o acto de ler. Proust compreendeu isto muito bem. Parte de nós, disse ele, fica fora do texto e contempla a mesa a que nos sentamos, o candeeiro que ilumina a folha, o jardim em volta ou a vista adiante. Quando notamos tais coisas, estamos simultaneamente a saborear a nossa solidão e o trabalho da nossa imaginação, e congratularmo-nos por sermos mais profundos do que aqueles que não lêem” (…)
“É por isso que, ao falar da minha vida de leitor, tenho de dizer isto imediatamente: se os prazeres que descrevo como 1 e 2 fossem prazeres que eu pudesse encontrar no cinema, na televisão ou noutros meios de comunicação, leria menos livros. Talvez um dia isso seja possível. Mas creio que seria difícil, porque as palavras (e as obras literárias que elas criam) são como a água ou as formigas. Nada pode penetrar nas rachas, buracos e fendas invisíveis da vida com a rapidez e minúcia com que as palavras o fazem. É nessas fendas que a essência das coisas – as coisas que nos tornam curiosos em relação à vida e ao mundo – pode ser inicialmente apurada, e a boa literatura é a primeira a revelá-las” (…)
(…) “Para mim ler é criar a minha própria versão cinematográfica mental de um texto. Podemos erguer a cabeça da página para contemplarmos um quadro na parede, a cena do lado de lá da janela ou a vista em frente, mas a nossa mente não processa estas coisas; continuamos ocupados a filmar o mundo imaginário daquele livro. Para ver o mundo imaginado pelo autor e encontrar felicidade nesse lugar, temos de usar a imaginação. Ao dar-nos a impressão de sermos não apenas espectadores de um mundo imaginário, mas, em parte, seus criadores, um livro dá-nos sozinho, a bênção do seu criador. E é essa bênção solitária que torna a leitura de livros, de grandes obras literárias, tão tentadora para toda a gente e tão essencial para o escritor.”
Escrito por Orhan Pamuk (Escritor turco e Prémio Nobel da Literatura em 2006), excertos retirados do capítulo 30 do seu livro – “Outras Cores – Ensaios sobre a vida, a arte, os livros e as cidades".
Parabens...grande post...
ResponderEliminarNão me felicites a mim, felicita antes o Orhan Pamuk, que consegue fazer com que, lendo os seus textos e as suas palavras, se reflicta sobre isso mesmo, sobre o que é ler uma boa obra de literatura e todo o seu significado na mente do leitor e do autor. É brilhante não é?
ResponderEliminarabsolutamente...felicito então os dois,porque quem escolheu as palavras foste tu, e quem escolheu a mensagem especifica que queria passar tambem, e foste feliz com esssa escolha.
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