06 outubro 2010

Assombro

No tempo do assombro económico, insistentemente bradado nos meios de comunicação social, convém reflectir. É ditado por economistas, comentadores, políticos situacionistas, governantes e afins, que o Estado Português, paralelamente aos seus cidadãos, consome mais do que as suas possibilidades. A consequência: dívida. Segundo estes, a receita é clara e fria: cortar, cortar, cortar indiscriminadamente e cobrar. As decisões são políticas mas as pressões são claramente financeiras. O governo está a preparar as novas medidas de contenção para o orçamento do próximo ano. E a receita governamental vai, simbioticamente aos interesses e à linha de orientação dos neoliberais comentadores, de encontro a uma receita já praticada na Irlanda e com consequências intoleráveis. Corte nos apoios sociais (ou seja, nos apoios de quem está em dificuldade financeira), redução nas transferências para o Ensino (já depauperado), redução nos programas de investimento estatais (PIDDAC e obras públicas descentralizadas), corte nos salários da função pública com efeito quase imediato no sector privado (redução do poder de compra e nível de poupança) e, qual podre cereja, aumento em dois pontos percentuais o imposto mais injusto de todos: o IVA (atinge todas as camadas sócia-económicas por igual). Curiosamente, nem uma medida de estímulo à economia para promover o crescimento.

Os incitadores do assombro económico (dominantes na comunicação social) repetem, desavisadamente, a mesma repreensão: o Estado, tal como os portugueses, vivem acima das suas possibilidades. Ora, eis algo que não posso concordar. Não foram os portugueses, com o seu nível de vida invejável(?), que colocaram os especuladores e a banca gananciosa em problemas de solvabilidade e o Estado com um défice por explicar. Num país em que a maioria dos seus cidadãos não pode afirmar que vive desafogadamente, é um insulto assumir que estes vivem acima das suas possibilidades. Eles devem viver bem melhor, mais é possível. O Estado, por sua vez não gastou acima das suas possibilidades. Gastou, sim, os recursos públicos em muitos negócios e despesas dúbias e criminosas: criou dívida desnecessária.

O debate político e social que deveria estar em destaque não deveria ser o actual. Ou seja, não deveria ser o consenso na desgraça entre o PS e o PSD a orientar o discurso. Deveria, sim, ser a discussão de medidas política e económicas que assegurasse o crescimento e a redução pensada na despesa, a coordenar o caminho. Deveríamos discutir se era este o caminho (apregoado em todos os meios de comunicação social) para nos defender dos especuladores, acertar as contas e estimular o crescimento ou se era um outro. Invés, discutimos um caminho com prova dada em outros países escamoteando e segregando as alternativas. As alternativas existem, apenas não são divulgadas pelos principais meios de comunicação. Estes, presos pelos predadores e discursistas do assombro económico, repetem as mesmas repreensões (com diferenças de estilo) e a mesma receita. A discussão política é necessária (ao contrário da declaração do Presidente da República no centenário da República) e aconselhável.

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