21 março 2008

O rosto da Loucura

O seguinte texto é da autoria de uma conterrânea e amiga: Gabriela, autora do blog Aqui Basto Eu, onde podemos encontrar este e outros interessantes textos. Um excelente texto sobre uma famigerada personalidade da sociedade cabeceirense.

O Rosto da Loucura

Como num jogo de cartas, tarot mal distribuído ou "sueca" sem par, a loucura reveste-se de uma intemporalidade que fascina, questiona e atrai. Assim foi ontem, ao ver correr, desenfreado e sem rumo, o célebre Costinha, conhecido por olhar vezes sem conta para o relógio (mais ou menos a cada cinco segundos). Apesar de tido como um louco pelas pessoas da vila, ele era desde sempre acarinhado como sendo digno de compaixão e até alguma ternura. Alguns rapazes, demasiado novos para compreenderem que o respeito se faz muitas vezes de silêncio e contenção, provocavam-no e instigavam-lhe o espírito para a revolta, enquanto ele levantava alto uma bengala nova em folha, segurando na outra mão dois guarda-chuvas e um saco de plástico.

Lembro-me de o ver há uns bons anos a correr atrás das raparigas que andavam na escola, com os braços abertos, curvado na sua pequenez de homem atarracado, a fazer uns sons imperceptíveis e a assustá-las de morte. Depois, deixei de o ver. Julguei-o atirado para uma sorte mais mísera e infeliz do que aquela que tinha tido até então. Vê-lo agora, porém, confirmou-me a suspeita que trago desde há muito: o que nos parece, a nós, loucura, talvez proteja do passar do tempo. A intemporalidade daquele rosto, sempre com a mesma expressão e o mesmo olhar vago, espelha as infinitas possibilidades de se ser humano. Porque, com diferenças ou sem elas, o cérebro tem múltiplas combinações possíveis para nos fazer compreender a emocionalidade da razão (ou a racionalidade das emoções, se quisermos outro prisma) e estender-nos o olhar até ao horizonte onde todos - todos, sem excepção - temos algo de semelhante entre nós.

6 comentários:

  1. Meu querido Marco, muito obrigada pela tua generosidade e por "repescares" um texto do qual já me havia esquecido. É uma honra vê-lo publicado num blog de alguém tão inteligente e generoso como tu. Um beijinho muito grande.

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  2. Obrigado pelas tuas palavras Gabriela.

    É um grande texto sobre uma personalidade importante da sociedade cabeceirense.

    Beijinhos.

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  3. Pudesse eu escrever sobre outras tantas pessoas dignas de serem recordadas... faz falta algo assim numa terra que, por vezes, é demasiado ingrata para com as suas figuras. É uma ideia que talvez leve avante, um dia...

    Agradeço-te, singelamente, através do meu último post.

    Beijinho.

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  4. Obrigado Gabriela,

    Esta terra por vezes é extremamente ingrata para quem a ama.

    Quanto à tua ideia, acho muito bem e apoio-te.

    Beijinhos.

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  5. Marco apreciei muito esta tua ideia.
    Talvez as pessoas que lerem este artigo e se tiverem perspicacia suficiente possam reflectir sobre isto e chegar á conclusão de que muitas vezes o rosto de loucura de um costinha(por que há muitos costinhas)seja o reflexo de quão LOUCA é a sociedade actual, e muitas vezes os que estão no topo da cadeia da loucura não corre desenfreadamente sem rumo,nem emite sons imperceptiveis nem tao pouco corre atras de raparigas,os maiores loucos agem numa espécie de "demencia lúcida" e prejudicam muita gente.Esse sim é o verdadeiro e atroz rosto da loucura.

    Duarte

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  6. Caro Duarte,

    Permito-me comentar o teu comentário (perdoa a repetição), uma vez que fui eu quem escreveu este texto. Apenas para agradecer e concordar com o que dizes: "demência lúcida" é uma excelente expressão. E sim, a loucura não é a de um Costinha votado ao riso inconsequente de quem com ele se cruza, mas a de muitos outros "Costinhas"...

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