23 abril 2010

As bipolaridades, e o 25 de Abril de 1974

Este daria um bom post para ser publicado dia 25 deste mês tendo em conta mais um aniversário da Revolução dos Cravos, mas, como não sei se terei tempo para escrever nesse dia face a circunstâncias da minha vida pessoal e, como pouco ligo a datas históricas importando-me mais com o seu significado propriamente dito, peço perdão pela ousadia de antecipação. A coisa até se torna irónica porque cravos há muitos. Há aqueles que servem para crucificar e pregar nas ferraduras, magoam portanto, e, há também os da flor do craveiro, muito belos, simbolo da dita Revolução, mas, como todas as outras flores, murcham e morrem. O pensamento pós-25 de Abril tem esta dualidade, magoa e está a morrer. Não me interpretem mal pensando que estou a desvalorizar o sacrifício e a importância da Revolução, ou que sou adepto da ditadura, ou anti-democrata, apenas penso que vivemos numa democracia falhada que teima em manter tudo exactamente na mesma, um atraso no pensamento e consequentemente no progresso.

Eu próprio sofro deste mal pois nasci e cresci nesta sociedade, muito crítica com as paneleirices do dia-dia mas muito acrítica com grandes questões e problemas. Muitas vezes questiono este modelo de pensamento e luto para pensar de forma diferente e criativa, porque de certa forma não me revejo nele. Talvez me sinta incompreendido muitas vezes até por aqueles que me são mais chegados, mas não sofro muito com isso, porque lá no fundo sabem que digo muitas verdades e que as acções têm esses princípios, não os deixando ficar mal. Dizem que tenho um feitio lixado, e reconheço que tenho, porque me irrito muito facilmente com futilidades, com o interesse na privacidade da vida alheia, com o facilitismo de subir na vida, com o cinismo e a hipocrisia, com a desonestidade, a corrupção, o oportunismo, a falta de civismo, o jogo de interesses que rodeia esta teia toda, e muitos etc etc etc. Também "fervo" com aquelas frases típicas - "ah se os outros fazem eu também faço", cujas acções são independentes da legitimidade da coisa, que é como quem diz - "se o outro se atira ao mar eu também me atiro" mesmo que isso implique o mal de uma comunidade inteira, com a agravante de que, quando corre mal nunca se diz que foi voluntário, prepara-se sempre a culpa para outro alguém, pela outra frase - "atira-te ao mar e diz que te empurraram".

A sociedade em geral, não só a portuguesa, parece estar formatada para pensar numa lógica de bipolaridade. Repare-se que pensamos sempre nos extremos e no que eles representam, assim como no seu ponto de equilíbrio (a norma, o normal, a normalidade) que jamais será igual para toda a humanidade. É o bem e o mal, Deus e o Diabo, o Sagrado e o Profano, o Santo e o Pecador, o Céu e o Inferno, a luz e a escuridão, o frio e o calor, o sol e a chuva, o doce e o amargo, o salgado e o insosso, O Norte e o Sul, o Ocidente e o Oriente, a Esquerda e a Direita..., etc. É como se o Mundo tivesse dois lados, num planeta que é esférico, logo não tem lados. Tem pólos é um facto, mas são tão gélidos e inóspitos que ninguém quer lá viver.

Há no entanto sociedades mais evoluídas no pensamento, que conseguem discernir melhor esta bipolaridade. Por que têm uma cultura de valores melhor definida e éticamente mais evoluída, que melhor consegue separar o "umbigo" do bem comum, encontrar o ponto de equilíbrio, a harmonia. É neste sentido que a sociedade portuguesa, filosóficamente, tem uma mentalidade de pensamento muito atrasada. Os seus valores são demasiadamente mesquinhos e paradoxais por vezes. O 25 de Abril deixou-nos uma espécie de Guerra Fria entre a Direita e Esquerda, capitalistas e comunistas, ou o que lhe queiram chamar. Não no sentido de ser fria, antes pelo contrário, mas pela mesma lógica de bipolaridades doentia que se vivia na época em que a Cortina De Ferro dividia o mundo através de uma disputa e competição nuclear entre estados das duas facções. Aquilo que outras culturas já aprenderam com os perigos deste pensamento bipolar e do seu extremismo, que de certa forma é tão ou mais doentio que a doença bipolar documentada pela psiquiatria, os portugueses ainda não aprenderam.

Neste sentido, acho que os problemas da Nação não se resumem apenas à Direita e à Esquerda, ou às suas políticas independentemente. É talvez de ambas, do tal Centro não harmonioso, da política a meias, do agora é isto amanhã é aquilo, do não se saber onde se está, nem o que se quer. Esta Legislatura política e a sua conjuntura é o espelho do que somos, uma sociedade desunida que vai remando em vários sentidos. Um verdadeiro remoínho que deixaria qualquer país tonto e nauseado.

As pilhas e as baterias só pôem os aparelhos a funcionar quando há um correcto equilíbrio das cargas eléctricas dos seus pólos. Caso contrário - low battery, low battery - bye bye - turn off. Portugal está em low battery há muito tempo. Há que pô-lo em cargar ou substituir as pilhas.

Ou é porque o que é público não presta nem tem qualidade, dá prejuízo porque é mal gerido, porque não temos dinheiro para sustentá-lo, porque dele mama "meia dúzia" do peixe graúdo que o controla, ficando os outros com igual direito a ver passar navios, mas, é quase de borla e é para todos. Ou também, é porque o que é privado é muito melhor, de qualidade, não sai do nosso bolso a sua criação, mas nem todos têm dinheiro para usufruir dele, dá muito lucro para alguns, mas quilhe-se, é mal regulado e vende-se a uma bolsa tipo jogo de póker, enriquece outra "meia dúzia" de peixe graúdo às custas do zé povinho, criando as tais elites económicas que têm mais poder que os Governos. Nem estamos numa coisa nem noutra, ou estamos em ambas.

A culpa é de ambas não terem algo em que possamos acreditar a 100%. É de ambas não existirem, ou antes, de coexistirem nas nossas cabeças e na prática do dia-a-dia, a tal bipolaridade doentia que às vezes é obtusa nas discussões e, outras vezes, permissiva no silêncio do pensamento e nas acções. Uma não vive sem a outra e parece que nós não conseguimos viver sem ambas, por isso é que o Centro tem mais adeptos, a lógica de dualidade de agradar a gregos e troianos e nunca definir um rumo, o que é desastroso. É como pôr um quarteirão de sardinhas a assar em que de cada lado está numa facção diferente a abanar e a puxar a brasa. No fim, as sardinhas das pontas ficam esturricadas porque a luta é de tal forma desenfreada que se esquecem de parar com ela no ponto de assadura. No fim sobram sempre as do Centro, menos queimadas mas muito secas, e, pobrezinhas, são tão poucas que matam a fome a muito pouca gente. No fim, a sardinha somos todos nós, o País. Os que puxaram a brasa ficam a cheirar a fumo e com a cara suja de tanta corrupção e tanta imoralidade que usaram para tentar ganhar a luta, mas safam-se sempre porque mesmo assim nunca se queimam, têm o controlo do assador.

Isto há coisas tramadas não há? O pensamento da sociedade portuguesa está formatado para isto, e foi isto que se criou no pós - 25 de Abril, uma casa que não tem pão onde todos ralham e ninguém tem razão, um portugal às turras, uma sociedade que nem é portuguesa nem europeia, nem cosmopolita nem provinciana, onde a riqueza e a pobreza abundam nos extremos, tão para a frente numas coisas e tão preconceituosa noutras, sem projecto algum, sem objectivos políticos e sociais, sem valores que a orientem, um divórcio absoluto. Ainda pensam que isto vai a algum lado? Se soubessem quantas vezes já me passou pela cabeça emigrar, nem vos dizia, já foram tantas que lhe perdi a conta.

Era preciso saber assar sardinhas, temperá-las como deve de ser, preparar o carvão, o lume, as brasas, abaná-las por igual e retirá-las no momento certo de assadura. Só assim se conseguiria tirar bem a pele, só assim daria para matar a fome a todos, evoluir, progredir e pescar mais.

Portugal precisava de outro 25 de Abril a começar na cabeça de cada um. Por cada um de nós olhar-se ao espelho e reflectir, nao no corte de cabêlo e no ponto negro da testa, ou na maquilhagem e no buço mal feitos, mas antes num exame de consciência sobre a vida que leva e as atitudes e comportamentos que toma em sociedade, esforçando-se para os corrigir. Isso, aos olhos de Deus, certamente valeria mais do que mil rezas, promessas a S. Bentinho e afins, confissões ao sr. padre, ou idas à missa.

Liberdade, Liberdade, Liberdade! Fascismo nunca mais!

A união faz a força!

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