09 abril 2009

Urbanidade… Ruralidade (contrastes)

Peço desculpa pelo tamanho do post, mas as palavras, por vezes, não chegam para expressar os nossos pensamentos e opiniões. Ao aproximar-se o dia em que Portugal relembra a Revolução que ditou o fim do Estado Novo, tempos de isolamento cultural, de censura à liberdade de expressão, de profundo atraso económico e opressão social…, senti necessidade de escrever este post, após ver, no passado domingo, a série da RTP1 – Conta-me como foi, cuja história e enredo retratam esse passado recente. Apesar de não acompanhar a série, enquanto fazia zapping ao meu televisor, o início do episódio de domingo despertou em mim particular interesse, e porquê? Porque nesse episódio a família central da série encontrava-se de viagem desde Lisboa até à aldeia dos seus familiares. O que achei particularmente engraçado, foi a excelente encenação que fizeram quando os filhos da família central da novela, uma criança e dois adolescentes, chegaram à aldeia, ficando estupefactos pela diferença entre os modelos de vivência da capital, na qual viviam e, da aldeia que até então nunca tinham conhecido e com a qual tinham acabado de estabelecer contacto. Pode parecer estranho para os jovens da minha geração e das que se seguiram, mas, há 40 anos muitas aldeias não tinham electricidade, as suas casas eram iluminadas a candeias de azeite ou petróleo; não haviam casas-de-banho propriamente ditas nem água quente para tomar um simples duche; os alimentos eram cozinhados no pote à lareira, ou no forno a lenha; as mulheres lavavam a roupa à mão nos ribeiros e nos tanques de granito; algumas crianças mal sabiam ler e escrever brincando com paus e pedras; ir à missa era obrigatório; os jovens trabalhavam na lavoura depois de concluírem o ensino básico (4ª classe), ou mesmo, nunca estudando, ficando analfabetos toda a vida; outros, davam o “salto” para França (emigravam) ou “fugiam” para as cidades em busca de melhores condições de vida, e outros, ainda, obrigados pelo regime, tinham de cumprir serviço militar sujeitando-se à Guerra Colonial em terras de ultra-mar. Passados alguns dias (minutos na série), os três filhos da família depressa se habituaram à falta de conforto da aldeia dos seus avós, entregando-se de corpo e alma à alegria e à felicidade da vida rural, ao cheiro a estrume, à retrete, à ausência de ruído e à sachola… Foi mais ou menos este retrato que o episódio de Conta-me como foi ofereceu aos telespectadores. O que me despertou o bichinho da escrita, foi o facto de hoje em dia, ainda se observar, embora forma mais amenizada, este tipo de contrastes e situações. Quero com isto dizer, que, apesar dos meios de comunicação permitirem uma maior proximidade entre o rural e o urbano, muitos contraste se têm mantido quase inalterados. Bom e mau, quando analisadas várias perspectivas. Se por um lado esta ruralidade permite manter uma identidade do passado genuinamente portuguesa, com o seu marco histórico de um regime fascista e do seu atraso civilizacional, o que é bom para relembrar o atroz legado salazarista, por outro, o tempo parece ter parado no que diz respeito aos modelos de vida, ao isolamento cultural, aos baixos índices económicos e educacionais, que muito frequentemente se tornam focos de pobreza e de problemas sociais graves. Muitas destas aldeias, já com poucos habitantes e essencialmente na faixa etária da 3ª idade, embora estabelecendo breves e pontuais contactos com o mundo urbano, mais modernizado, têm uma incapacidade, por si só, de evoluir para melhores condições de vida mantendo essa mesma identidade. Esta incapacidade em muito se deve à própria “preguiça” de adaptação aos novos tempos por parte dos aldeãos, e principalmente, às políticas despreocupadas do nosso País, no que diz respeito ao investimento educacional e sócio-económico que deveriam ter sido dadas a estas pessoas. A mescla entre o rural e o urbano pode ser o fim desta identidade genuína, porque quem habita estas aldeias, contactando frequentemente com os meios citadinos, depressa se rende aos vícios urbanos e, tão depressa as “destrói” nos seus costumes, tradições e estética arquitectónica, como as abandona sem olhar para trás. Faltou e falta essencialmente um suporte educacional forte para que esta mescla seja harmoniosa e rentável, para que as aldeias perdurem no tempo, para que os seus habitantes possam alcançar melhores condições de vida mantendo os seus usos e costumes e reciclando ou adaptando os mesmos aos novos tempos. O mundo rural tem imensas potencialidades por explorar. O nosso País tem capacidade (tanto na oferta turística como gastronómica e de produtos tradicionais) caso houvessem e hajam outro tipo de políticas, menos centralistas, mais direccionadas para a educação e para o desenvolvimento sócio-económico, assim como, uma maior abertura e vontade para a mudança por parte de quem as habita. Várias medidas podem ser tomadas: a mais importante seria acabar com o analfabetismo (não apenas no sentido literal da palavra, mas também no sentido da ignorância), embora reconheça que seja impossível a curto prazo, a médio e a longo prazo é uma aposta possível e altamente rentável. O País político e social terá de procurar as condições para reabitar o mundo rural, até porque, hoje em dia, com automóveis e estradas alcatroadas em quase todos os cantos, viver na aldeia não é estar isolado, mas antes, viver com qualidade e em harmonia com a natureza. Actualmente, os aldeãos necessitam de orientação e de uma voz de comando que os encaminhe. As autarquias e aqueles com capacidade empreendedora (que em tempo de crise são poucos), são quem tem poder de impulsionar esta reabilitação urgente, através de suporte logístico e de investimento. O reforço do sentido comunitário dentro da própria aldeia (que sempre existiu neste meios por força dos laços de vizinhança e de interdependência), na tentativa de construção de um tecido produtivo seria, na minha óptica, uma excelente aposta. A agricultura biológica, a produção animal, a produção de têxteis e tapeçarias, a oferta dos rituais festivos e de romaria, a oferta gastronómica regional, de albergue e turismo rural, assim como, publicitação pelas entidades competentes…, são exemplos daquilo que poderia ser desenvolvido em parceria pelos aldeãos, autarquias, empreendedores e promotores turísticos. Há dias, no Pensar Basto, o Carlos Leite abordou também esta temática e uma hipótese não descartável, a de integrar algumas habitações numa rede de apoio social aos idosos doentes e/ou dependentes nas suas necessidades humanas e actividades de vida diária. Contudo, é primordial contribuir de forma melhorar as condições habitacionais, tanto para o conforto, como para recuperar um pouco da confiança perdida pelos seus residentes, que durante anos a fio caíram no esquecimento de alguns e, na “armadilha” exploratória do “Chico-espertismo” de outros, em consequência do capitalismo neo-liberal e do seu individualismo inerente. Porém, há que melhorar com bom senso, com sentido estético e de preservação patrimonial, cumprindo as leis de urbanismo e ordenamento territorial. Será importante melhorar não só no interior e exterior das habitações, mas também, os arruamentos e infra-estruturas básicas (rede eléctrica, água, saneamento básico, etc), porque, se há dinheiro para construir bairros sociais na urbe para pessoas socialmente desfavorecidas, e para pessoas que definitivamente só são socialmente desfavorecidas porque se viciaram nas irresponsáveis políticas sociais do nosso país, também há-de haver dinheiro para estas pobres pessoas, cujo tempo não lhes propiciou igualdade de oportunidades nem lhes ensinou outro modo de vida que não o "do suor da enxada" para a sua subsistência, esperando a morte num silêncio entristecido. Em Portugal, há bons exemplos relativamente a esta matéria. Que haja vontade para segui-los e, se possível, fazer ainda melhor.

4 comentários:

  1. Excelente o raciocínio aberto por este post.
    Partilho a mesma opinião que o Abel aqui apresenta, e digo mais, a alavanca de desenvolvimento das nossas terras reside nessas aldeias que preservam alguma genuinidade, que pode ser diferenciador e altamente distintivo no mundo globalizado que hoje partilhamos.
    A questão dos Planos Urbanísticos, falhou redondamente neste aspecto, pois aborda a aldeia da mesma forma como aborda a cidade, havendo pouca diferença promovendo uma dispersão que não me parece correcta.
    Também vi atento o programa, e fiquei curioso por saber se ainda existe algures aquele reino maravilhoso que se viu.
    As vilas e aldeias tem que se posicionar perante o futuro de forma a desenvolver, reinventar e divulgar as suas características chave.
    Temos que desenvolver as nossas aldeias divulgando-as. E reinventando uma a uma, de forma a desenvolver o potencial intrínseco a cada.
    Os investidores aparecerão por certo.

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  2. Caro Carlos, a minha esperança é que esta crise financeira e económica, que se torna a cada dia também social, sirva, de certa forma, para mudar as mentalidades, não só culturais, mas também, do ponto de vista de distribuição e de recursos e de dinheiros. Os investidores procuram sempre locais de maiores garantias, no que diz respeito ao retorno do investimento, ou seja, locais mais enriquecidos (poder de compra), priveligiados(em infraestructuras), e mais consumistas também.

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  3. E em bom português, e não o português considerado correcto, as opiniões são como os cus, toda a gente o tem e quem quiser dar, da.. não é por isso que qualquer um vai pegar na tal enxada, porque qualquer um de vos sabe que tem possibilidades de levar uma vida melhor noutra área que não a agricultura. O 25 de Abril foi uma coisa magnifica que aconteceu, onde houve cravos e agora toda a gente corre em honra disso (não faço a mínima ideia porque, julgo que eles foram em veículos militares), mas embora nos custe a todos admitir, talvez não tenha sido levado a cabo pelas pessoas mais indicadas, ou apenas o pós 25 de Abril não tenha sido levado tão a serio como devia.
    Por muito novo que seja, e por muitas explicações que me tentam impingir, não percebo o porque de dar liberdade a colónias que não a pediram, o porque de entregar colónias com uma economia extraordinária apenas para sermos diplomáticos com um pais que nada fez por nos, o porque de perdoarmos dividas a países que teoricamente são extremamente pobres e passados uns anos vem-se a descobrir que tem algumas das habitações mais caras do planeta, o porque de nos queixarmos de um governo que sobe impostos e mantém os salários, quando temos demasiada pena daqueles que vivem à custa do trabalho dos outros, única e exclusivamente porque não lhes apetece trabalhar. O mal do pais é estar uma minoria a trabalhar para manter os "afilhados" do "novo regime" (pós 25 de Abril).

    Postscript (apenas porque acho que o inglês fica tão bem com o português ou como o latim, sem, por estar numa língua diferente chamar mais a atenção sobre esse post): não é por usar uma escrita mais elaborada ou apenas por terem uma opinião e a expressarem que o pais vai para a frente, e por muito que queiram, mesmo depois do "grande" 25 de Abril o que não falta por terras de D. Afonso Henriques é censura.

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  4. Caro Jorge, acho que não entendeste muito bem a orientação do post, até que acabaste a desviar-te do tema central do mesmo. Eu não defendi a implementação da agricultura nem da enxada, o que se passa é que essa agricultura rural ainda existe, contudo de uma forma rudimentar e obsoleta. E das duas uma, ou se acaba de vez com ela, e Portugal limitar-se-á a produzir agricultura pelos grandes empresários agrícolas ou a importar a totalidade desses produtos para consumo interno, ou então, aproveita-se o que resta e reinventa-se (porque sem agricultura não há alimentos na mesa), quer se queira quer não. E claro, todos sabemos que podemos levar uma vida melhor noutra área diferente da agricultura, mas também sabemos que há muitos que levam vidas bem piores fora dela, e outros que nem na agricultura nem em lado nenhum. Ainda assim, a reabilitação da agricultutra biológica foi apenas uma de várias hipóteses, no que diz respeito à reestruturação das aldeias típicas e do mundo rural.

    Em relação ao salazarismo e ao 25 de Abril, tal como tu, sei também muito pouco, ou apenas aquilo que me foi contado por outros. E de facto, há muitas coisas que não se compreendem. A maior falha do 25 de Abril talvez, foi ser uma revolução que não surgiu do povo, como tu dizes - "eles foram em veículos militares".
    E suspeito que o que queres transmitir com o teu comentário, seja o alertar para o problema maior de Portugal, que é o da mentalidade, da pouca cultura cívica e social. Por muito que nos esforcemos, o Estado Novo perdurou durante 4 décadas e isso deixou raízes difíceis de arrancar. Mas com o tempo havemos arrancá-las todas.

    Quanto ao mudar o país, bem sabemos que não são opiniões isoladas nem escritas elaboradas que o fazem. Mas, se cada um, na sua esfera de relações pessoais conseguir apresentar pontos de vista, discutir opiniões, e mudar algumas mentalidades, já ajuda muito. Limitamo-nos a usar os meios que temos.

    Grande abraço para ti!

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