25 julho 2008

Quando for grande quero ser um corporativista tradicional, tal e qual como me ensinaram na escola

Um novo curso de medicina na Universidade do Algarve, irá entrar em funcionamento para o próximo ano. Uma tentativa de suprir a carência de generalistas e especialistas no serviço de saúde em Portugal.

Ora, os urros corporativistas estão na baila (aqui, aqui). Com a demagogia de sempre, eles argumentam o condicionamento da profissão com a qualidade do ensino, a existência de um rácio elevado de médico/habitante, os fracos salários base, o condicionamento da formação na especialidade, o futuro risco de desemprego etc. etc.

Várias questões se impõem. Quanto ao "débito" formativo de médicos, como é que alguém pode afirmar alguma razão válida para a não abertura de uma faculdade privada onde se exercesse o ensino de Medicina? Esta é a única classe profissional, em Portugal, onde a sua formação está condicionada unicamente ao ensino público. O sempre útil e demagógico argumento de falta de professores especializados para a prática do ensino, vigora. Ora, na Universidade da Beira Interior, também buliram duras críticas pela qualidade do ensino e dos seus docentes, mas as evidências provaram o inverso. Com a possível abertura de faculdades privadas de medicina, alguém tem dúvidas que estas escolas não iriam contratar os mais capazes professores nacionais e estrangeiros para leccionarem nestas escolas? Contudo, até hoje, não visualizei e não me iluminaram com algum argumento válido para este tipo de discriminação.

Afirmam, que Portugal possui uma média de médico por habitante acima da média da União Europeia. Utilizam estes dados para pretenderem "cingir" a profissão. Não é um argumento válido para a proibição ou o condicionamento do curso de medicina. Contudo, com esta espantosa(?) média, a rarefacção de médicos especialistas em certas áreas é deveras gritante. Fruto do condicionamento da profissão algumas décadas atrás, onde, por exemplo, no ano de 1986, existiam 190 vagas para o curso de medicina em Portugal. Eram menos de 810 vagas que vigoravam nove anos antes. Tendo em conta que a média dos anos de formação de um médico está na ordem das dezenas, é hoje que sentimos os efeitos de tal política de interesses. Contudo, vários relatórios indicam a falta de médicos no futuro, inclusive relatórios do ministério da Saúde, nos próximos anos. Para isso implicou o exponencial crescimento da "Saúde privada" em Portugal. Mega-investimentos em hospitais e serviços clínicos, que estão ou serão implementados, terão como consequência uma maior oferta de emprego.

Não se esqueçam, para quem assenta o seu discurso de anti-liberalização do ensino do curso, o condicionamento da profissão e atiram as culpas para os colégios internos da mui corporativa Ordem dos Médicos, que os colégios fazem o mesmo que a ordem faz. São unos e poderosos e ambos condicionam a máxima da oferta e procura para os seus proveitos e dos seus profissionais, em detrimento de valores universalistas e altruístas.

O Estado português, que comporta a despesa de formação de cada aluno de medicina(cerca de 10 0000 euros anuais), tem que garantir a formação na especialidade e um emprego no fim do ano comum? Porque é que o Estado tem o dever de formar o médico na sua especialidade e de lhe atribuir um emprego sólido no fim? Prerrogativas a mais e que mal habituaram a classe.

Outro argumento para justificar a falta de médicos no SNS, é o baixo (?) salário-base que auferem no SNS. Mal-pagos ? Provavelmente, se se compararem ao serviço privado. O relativo mau pagamento é compensado, no SNS, por um régio pagamento de trabalho suplementar e extraordinário (que a maioria dos clínicos fazem). Por isso, mal pagos (?) estarão poucos e serão aqueles que não pretendem laborar em hora extraordinárias e afins.

Enfim, este discurso corporativista já se prolonga à tempo de mais. A saúde em Portugal tem se tornado um serviço de exponencial inflação. Os preços na Saúde são condicionados pela fraca concorrência advidas de políticas corporativistas. Os políticos padecem de coragem política para acabar com estas maquiavélicas corporações que tanto minam o nosso País, basta visualizar quando alguém quer mexer nos interesses corporativos ou inverter processos para que sejam mais justos para cidadão e menos tendencioso para o corporativista, que cai o Carmo e a Trindade.

post scriptum: Onde estão os quadros de mobilidade profissional (que o ministro Correia de Campos queria implementar), à semelhança do que se passa no restante serviço público, para suprir as assimetrias entre regiões ao nível da quantidade de médicos? Deve estar como estão todos os processos que vão contra à corrente corporativa...

12 comentários:

  1. Demagogo demagogo.... Sinceramente, não percebo qual é o preconceito de certa esquerda em admitir que um médico deve ser mais bem pago que outras no sector de saúde. É a tal coisa da igualdade económica como fim mesmo com responsabilidades menores e menos dores de cabeça?

    Como dizes o "coorporativismo" da classe tem impedido a abertura de mais faculdades e o aumento das vagas. E ainda bem. Imagina que os professores, advogados e enfermeiros por exemplo tivessem feito esse trabalho? Provavelmente não haveria a taxa de desemprego assustadora que assola estas profissões e a quantidade de gente mal preparada que se vê por aí.

    Mais, digo-te que não há condições de ensino, porque ninguém remunera o ensino clínico nos hospitais e se visitares as faculdades do Porto, Coimbra e Lisboa e dir-me-ás depois em que condições apreendem e fazem a clínica. Quem não conhece a realidade, fala.

    E sim, é uma questão de salários e de imposição de contrato exclusivo com o SNS. Quer queiras, quer não queiras...

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  2. Olá boa noite. Com todo o devido respeito que tenho pelos médicos, até porque trabalho com eles diariamente, penso que a decisão de construir uma faculdade seja ela do que for, diz respeito ao Estado e ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. A ordem dos médicos deveria preocupar-se com outros assuntos jurídicos e não se meter em políticas de Estado, até porque as Ordens servem para organizar classes profissionais e não para mandar bitates sobre obras e infra-estructuras Públicas. Se de cada vez que se pensasse em construir uma faculdade de engenharia, ou de direito, ou de arquitectura, ou uma escola de enfermagem... as respectivas Ordens dos Engenheiros, Advogados, Arquitectos, Enfermeiros se intrometessem, talvez não houvessem faculdades. Nesta matéria não concordo contigo Vítor. Para ser sincero acho que a Ordem dos médicos tem poder a mais neste país. E quanto aos privilégios salariais, sabes bem que existem, não em todos os casos, mas existem. Eu compreendo que estás numa posição ingrata, que é a de futuro médico, mas tens de pôr o coração de parte, tal como eu procuro pôr quando falo da minha classe profissional. Abraço

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  3. Claro Abel.
    O coração está noutro lado. Eu sinceramente acho que não é uma forma de resolver o problema que existe nos colégios de especialidade e não nas vagas ou nos números clausos. Como quiserem, o país é mais de vocês os 2 do que meu.

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  4. Caro Vítor, as tuas preocupações preocupam-me.

    Não queria ver o corporativismo deste calibre infectando outras profissões. Era um retrocesso demais. Eu tenho uma visão muito particular do ensino, penso que ele deve ser acessível em todas as formas e em todos os modelos a quem queira, sem qualquer tipo de entrave a montante. O conhecimento profissional não deve ser condicionado pelas classes. Enfim, pode ser romântica mas é a minha opinião.

    Quanto ao desemprego noutras áreas liberalizadas, sabes bem que o desemprego de certas classes profissionais é incentivado pelo empregador, porque não lhe convém. Vejamos o caso dos enfermeiros, a ordem e os seus profissionais estão sempre a alarmar para o excesso de profissionais, contudo, segundo o Ministério da Saúde, o SNS precisa de 25 mil enfermeiros. Se repares, existe uma grande precariedade laboral nesta profissão que tanto rarefacto está no seu maior empregador (SNS).

    Não tenho preconceitos, simplesmente penso que não é com o aumento da "massa salarial" que se resolve o problema--é um ciclo vicioso. O problema é de fundo, muito para além das tuas reivindicações.

    O ensino clínico é preocupante, acredito. Mas não só nesta área. Outras profissões existem sem ter acompanhamento de excelência (com as devidas diferenças). Apenas é mais um problema de fundo do nosso ensino.

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  5. Não percebo porque é que a taxa de desemprego dos professores implica uma má formação dos mesmos...

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  6. É interessante como tu defendes que o ensino não deve ser condicionado pela classe e h+a uns posts atrás, e em conversa comigo, defendes que é absurdo a quantidade de advogados que se formam neste país, com qualidade questionável. Quem se contradiz és tu, rapaz.

    O que está no âmago da tua opinião é simplesmente aquele sentimento português de querer tudo nivelado por baixo e não por cima. Os médicos por se pautarem pelo ensino de qualidade da sua arte são é uns coorporativistas.

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  7. Vítor, nunca defendi nem escrevi o condicionamento de uma profissão por via do ensino, nunca. Se quiseres mostrar o post em que escrevi que se deveria condicionar a profissão de advogado, sublinha a linha e mostra-me o url.

    Quanto em conversa privada, eu disse e possivelmente já poderei ter escrito, que penso que há uma quantidade exagerada de profissionais na advocacia mas nunca propus ou defendi o condicionamento da profissão. É uma questão de equidade e coerência. Em suma, para de uma vez por todas perceberes aquilo que eu defendo: O conhecimento profissional não deve ser condicionado pelas classes. Nunca.

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  8. Equidade e coerência com os atentados à dignidade de muitas profissões em Portugal. Foi o que aconteceu com a banalização do ensino de Direito e temos o Sistema Judicial que temos.

    É o que queres que seja feito com o Ensino médico, banalizá-lo, entregá-lo às derivas economicistas como acontece em muitas universidades privadas, como sabes perfeitamente isso, de modo a que haja médicos em tão grande número que irão apenas sobreviver os mais competentes sabe-se lá à custa da saúde de quantos miseráveis.

    A partir do momento em que isso acontecer, está o caminho aberto ao desmantelamento do SNS para os privados e fica o Serviço Público de saúde para os miseráveis que se têm de haver com médicos formados na febre da formação médica a rodos.

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  9. Também não percebo Pi, porque associas universidades privadas a gente mal formada, não faz sentido. Não achas que muitos alunos do público, incluindo do teu curso também não sai mal formada para o mercado de trabalho? Não achas que mais pessoas devem poder ter a oportunidade de seguir o curso de medicina?E se tu próprio dizes que Universidades como Lisboa, Coimbra e Porto não têm condições, porque te opões à abertura do curso em outras escolas que poderão ter todas as condições necessárias? As privadas não poderiam oferecer um ensino de qualidade à arte da medicina? E será que sempre pensaste assim? :(

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  10. Boa tarde.Na minha opinião mais uma faculdade de medicina é muito bem vinda.Independentemente de todas as questões colocadas pelos "participantes", somos obrigados a constatar e eu sei por conhecimento próprio que há médicos espanhóis e cubanos em Braga, Cabeceiras de Basto e por todas essas terras e terrinhas, neste belo Portugal. Para mim é indamissível não haver clínicos suficientes para suprir as necessidades do país. Os médicos são insuficientes, há milhões de pessoas SEM MÉDICO DE FAMÍLIA!Há listas de espera de oftalmolgia enormes e no entanto, vem um médico espanhol e faz umas centenas de cirurgias ás cataratas em meia dúzia de dias...Uau.Mas agora já estou a desconversar.
    No que respeita ao ensino de medicina, a minha mãe é tutora na UMinho, eu sei o que os médicos recebem por cada "aluno" que acompanham...Além disso os médicos em exclusividade ganham relativamente bem, se fizerem urgências, já não me refiro a horas extraordinárias...
    Não devo ter contribuído para o esclarecimento geral, mas é a minha opinião. Bem hajam:)!

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  11. Penso que é consensual nas opinioes quais os verdadeiros problemas e questoes, relativamente ao ensino da medicina e a Saude em Portugal.

    Os unicos que nao pretendem dar importancia e resoluçao a estes problemas, sao aqueles que beneficiam com a situaçao. E pelas respostas do Vitor, ele insere-se perfeitammente na classe daqueles que beneficiam e nada auerem mudar.

    Cara Charlene, as perguntas que fizeste, penso eu, ficarao sem resposta.Sao pertinentes demais para ter uma resposta do Vitor.

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  12. Cara Charlene. Eu não associo Universidades Privadas a má formação. Associo de momento a mercantilismo, subsidiado pelo Governo e pela especulação da empregabilidade. Passou.se com cursos de ensino, de saúde. Devo ter o legítimo interesse em zelar pela qualidade e pelo investimento adequado do país nos seus jovens. Não defendo que se aprovem cursos a granel quando o investimento é essencialmente público em Portugal. É que cara Charlene, os privados não têm condições como não querem fazer formação nos seus hospitais (privados).

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