«Alguns exemplos bastarão para dar conta da gravidade da situação [transformação da saúde, de serviço público em negócio lucrativo]. Recentemente a Ministra da Saúde convocou todos os directores de serviços públicos de procriação assistida, no sentido de lhes criar as condições financeiras e humanas para aumentar significativamente a oferta pública destes serviços. Todos, excepto um, recusaram a oferta, sob vários pretextos e por uma só razão: todos eles dirigem serviços privados de procriação assistida e não queriam que os serviços públicos lhes fizessem concorrência.
Outro exemplo, ainda mais perturbador. Um determinado hospital público decidiu aumentar a oferta de serviços especializados para corresponder às solicitações crescentes dos cidadãos. Pois viu esta decisão contestada nos tribunais pelo sector empresarial hospitalar com o fundamento de que, ao expandir os serviços públicos, se estavam a pôr em causa as legítimas expectativas do sector privado quanto à sua expansão e lucratividade. Apesar de um tal propósito bradar aos céus, há juristas de renome dispostos a dar pareceres eloquentes a favor dos queixosos e só nos resta esperar que os nossos tribunais façam uma ponderação de interesses à luz do que determina a Constituição e decidam correctamente.
Terceiro exemplo. Contra o parecer da Ministra da Saúde, o Ministro das Finanças autorizou um acordo entre um hospital privado, pertencente ao Grupo Espírito Santo, e a ADSE, com o objectivo de, com o novo fluxo de doentes, viabilizar um hospital em dificuldades. O dinheiro gasto nesse acordo não poderia ter sido aplicado, mais eficazmente, na expansão dos serviços públicos? A ironia da história é que, pouco tempo depois, os jornais anunciavam em primeira página que os utentes da ADSE estavam a ser preteridos no referido hospital por a ADSE pagar pior. »
Apenas um excerto de um artigo de Boaventura Sousa Santos, sobre a transformação escandalosa do serviço público de saúde em negócio lucrativo. A ler e a reter : Saúde: do serviço ao negócio.
Sem comentários:
Enviar um comentário