02 agosto 2010

Um sector protegido

Há pouco tempo atrás vi um debate político. Neste debate, que circulava em torno das questões económicas, surgiu, como é óbvio, a falta de justiça na aplicação (ou na obtenção) das taxas fiscais na economia. Neste âmbito, o deputado do Bloco de Esquerda, José Soeiro, elencou um exemplo paradigmático como a justiça fiscal em Portugal é parcial e proteccionista: afirmou a vergonha que durante tempo demais o sector da banca portuguesa tem pago, efectivamente, menos impostos do que todos os outros sectores económicos.

Em resposta, típica de alguém em que a fidelidade às directrizes do partido (ou à ambição política) calca a verdade dos factos, o deputado do PS, Duarte Cordeiro, raiando a histeria, afirmava e reafirmava que, com o governo de José Sócrates, a Banca pagou mais impostos. O que a insistência do deputado do PS escondia era que aumentou em percentagem o valor pago mas que ainda continuava com a pagar proporcionalmente um valor mais pequeno que uma simples sapataria pagara em impostos. Isto, o deputado Duarte Cordeiro, não bradou com a histeria conhecida de quem tenta sujar a verdade dos factos. Preferiu relativizar.

No entanto, e tendo em conta os bons resultados económicos do primeiro semestre deste ano dos maiores bancos privados a actuar em Portugal (aumentaram em relação ao mesmo período do ano passado), sabe-se que, comparativamente ao período homólogo do ano passado, a sempre carente e desprotegida banca pagou menos de metade do valor pago o ano passado em impostos.

Perguntar-se-ão como, a banca, repetidamente tem pago proporcionalmente menos impostos do que outros sectores? A resposta não será tão complicada como aparenta ser. O segredo está, como numa sociedade demasiadamente burocrática, nas técnicas das palavras e definições. Ao nível dos impostos apresentam uma espécie de subterfúgio económico: os "lucros fiscais". Os lucros fiscais são os lucros subtraídos ao valor dos benefícios fiscais mais os prejuízos de empresas pertencentes ao grupo bancário. E estes lucros servem de base para serem tributados os impostos (IRC mais derrama).

Os "lucros reais" servem apenas para distribuir dividendos aos accionistas. E estes não servem de base para a tributação dos impostos (IRC mais derrama).

Posto isto, temos uma realidade: os valores pagos em impostos pela banca em Portugal são artificiais. De facto, entre o período temporal de 2004 a 2009 cerca de oitenta e sete por cento do sector bancário pagou, em percentagem, uma taxa efectiva de 12,96% o que consubstancia um valor de de 1,740 milhões de euros. Este valor é obtido em relação aos valores pagos em cada ano fiscal sobre os "lucros fiscais" e o valor total dos "lucros totais".

Caso, como deveria ser, a taxa efectiva de imposto a pagar (IRC mais derrama) fosse a devida (26,5%), o Estado Português tinha arrecado (que é o seu direito) 3.557,6 milhões de euros, ou seja, a banca, através destes subterfúgios e com a conivência dos governantes e apoiantes, não pagou cerca de 1.817,6 milhões de euros.

Em conclusão, não evidencio as consequências na Economia caso a banca pagasse o que deveria pagar. Apenas quero afirmar que esta vergonha fiscal tem de acabar. Os responsáveis, sejam eles os agentes económicos como os responsáveis e os coniventes políticos, tem de ser, naturalmente, responsabilizados. Isso só poderá acontecer se a justiça se impor ou se a opinião pública assim o desejar. Se for pela vontade política e governativa, continuaremos a ter lucros fabulosos neste sector privilegiado e a perpetuação da impunidade reservada aos poderosos deste país.

Os textos que consultei (e extremamente aconselháveis) da autoria de Eugénio Rosa:
http://resistir.info/portugal/bancos_impostos.html
http://www.eugeniorosa.com/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2010/33-2010-AUMENTAM_IMPOSTOS_POPULAÇÃO_DIMINUEM_BANCA.pdf

2 comentários:

  1. " tendo em conta os bons resultados económicos do primeiro semestre deste ano dos maiores bancos...sabe-se que, comparativamente ao período homólogo do ano passado, a sempre carente e desprotegida banca pagou menos de metade do valor pago o ano passado em impostos.
    "
    A tributação só ocorre no fim do período de tributação que regra geral coincide com o final do ano civil (art.º 3 n.º 1 e 2 do CIRC) por isso não se pode afirmar que se pagaram mais ou menos impostos neste semestre que no semestre homólogo do ano anterior até porque a tributação incide sobre a diferença entre o património liquido no início e no fim do período de tributação.

    Da tua reflexão transparece um pouco a ideia que o problema são a existência de benefícios fiscais (na sua generalidade). A saparatia que referes, se for numa região considerada de interior (como as da região de Basto) pode beneficiar de uma redução da taxa para 15% ou 10% se forem novas empresas (art.º 43.º do EBF n.ºs 1 a) e b)). As empresas que contratem jovens ou desempregados de longa duração podem ver os seus custos com estes trabalhadores majorados em 50% (art.º 19 do EBF).

    O problema não são a existência de benefícios fiscais na sua generalidade mas sim aqueles benefícios que foram criados quase que com precisão cirúrgica para servirem estes ou aqueles sectores em que claramente o sector financeiro se destaca.

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  2. Caro Paulo Jorge, desculpa por só responder agora. No entanto cá vai:

    "A tributação só ocorre no fim do período de tributação que regra geral coincide com o final do ano civil (art.º 3 n.º 1 e 2 do CIRC) por isso não se pode afirmar que se pagaram mais ou menos impostos neste semestre que no semestre homólogo do ano anterior até porque a tributação incide sobre a diferença entre o património liquido no início e no fim do período de tributação."

    Certamente, no entanto basei-me neste artigo: http://www.esquerda.net/artigo/lucros-da-banca-disparam-e-impostos-caem-para-metade. Neste artigo, o autor afirma a diferença entre os semestres homólogos. Como foi feita ou se está correcta a conta, não sei.

    Não estou contra os benefícios fiscais. Podem, e como afirmaste, ser instrumentos valiosos no combate às assimetrias económicas entre regiões e sectores. Sou contra os benefícios que servem para proteger os lucros de sectores (e pessoas) que não necessitam deste instrumento para se desenvolveram. Ainda por cima se são sectores muito lucrativos e dos que menos contribuem para o desenvolvimento da sociedade.

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